Quem é Milly Lacombe, jornalista que teve presença cancelada em feira literária em São José dos Campos
‘Não poder participar de uma feira literária é uma derrota', diz Milly Lacombe Milly Lacombe é uma jornalista, escritora e roteirista brasileira. Ela é r...

‘Não poder participar de uma feira literária é uma derrota', diz Milly Lacombe Milly Lacombe é uma jornalista, escritora e roteirista brasileira. Ela é reconhecida como uma das pioneiras no comentário esportivo feminino no país e se consolidou como defensora dos direitos LGBTQIAP+. Seu nome voltou ao debate público por conta do cancelamento da sua participação na 11ª Festa Litero Musical (FLIM) de São José dos Campos após a repercussão de declarações sobre família. A jornalista publicou um vídeo nas redes sociais, na noite desta terça-feira (16) em que falou sobre o caso - assista o vídeo acima. No vídeo, a escritora contou que sofreu ameaças de extremistas e que participar do evento seria um risco para a segurança dela. Lacombe afirmou também que vê como uma derrota o fato de não poder participar do evento. Nascida no Rio de Janeiro, Milly trabalhou em veículos de grande prestígio, como SporTV, Rede Globo, TV Record, Revista Trip e, atualmente, escreve para o UOL. Foi uma das primeiras mulheres a comentar partidas de futebol na televisão brasileira e integrou programas como Esporte Espetacular. Além do jornalismo esportivo, Milly construiu uma carreira na literatura e no roteiro. Publicou seis livros, entre eles "Segredos de uma Lésbica para Homens" (2004), "Tudo é Só Isso" (2010) e "O Ano em Que Morri em Nova York" (2017). Na televisão, participou como roteirista de atrações como "Amor & Sexo" (Globo, 2018) e de programas do GNT, incluindo Super Bonita, Tempero de Família e Bem Juntinhos. Cancelamento da participação de Lacombe A participação da jornalista Milly Lacombe na Festa Litero Musical (Flim) do Parque Vicentina Aranha, em São José dos Campos, foi cancelada após a repercussão de declarações dadas por ela ao podcast “Louva a Deusa”, no fim de julho deste ano. No episódio, ela faz críticas ao conceito de família tradicional. “Esse negócio de família tá f**** a gente. Família é um núcleo produtor de neurose. Essa família tradicional, branca, conservadora, brasileira. Gente, isso é um horror. É a base do fascismo. Falemos a verdade”, disse a jornalista no trecho de um vídeo viralizado nas redes sociais. Em um vídeo, Milly admitiu que deu a entrevista, mas ela alega que a fala que viralizou foi tirada de contexto. “Eu ia para a feira fazer uma mesa muito linda, o tema era nós e o outro, ia ser, sem dúvida nenhuma, um debate muito rico, com o Cuti e o Xico Sá, meus amigos, dois escritores sensacionais. Mas um trecho de uma entrevista que eu dei para um podcast que eu gosto muito, foi, viralizou, ele foi manipulado, tirado de contexto, fizeram de um tudo com ele para que esse vídeo servisse à fúria, ao ódio da extrema-direita. Ele foi circular lá por outras bandas e aí a minha participação na feira passou a ser um risco à minha segurança”, declarou Milly. Apesar do vídeo viral, a fala de Lacombe não aparece na íntegra da participação da jornalista no podcast ‘Louva a Deusa’. Milly Lacombe era uma das convidadas pela Associação para o Fomento da Arte e da Cultura (AFAC), gestora do Parque Vicentina Aranha, para participar da mesa de abertura da FLIM 2025. Ela estaria na mesa na noite de sexta-feira (19), ao lado do jornalista e escritor Xico Sá e do escritor e poeta Cuti. Os três convidados, inclusive, participaram de uma conversa online com Bia Mantovani, uma das curadoras do evento, sobre a mesa nesta segunda-feira (15), antes do anúncio do prefeito sobre o cancelamento da participação da jornalista. “Foram muitas ameaças. Não poder participar de uma feira literária é uma derrota para todos que lutam por um mundo da livre expressão”, lamentou. “Mas a gente não está nessa luta porque a gente quer ganhar ou a gente entra nessa luta sabendo que a gente vai ganhar. A gente entra nessa luta por justiça social, porque é a única coisa que a gente sabe fazer, que a gente pode fazer. A vitória não é uma consequência imediata e ela não está dada, mas a gente vai seguir. A gente segue em busca de um mundo mais justo, mais igualitário”, declarou esperançosa. LEIA TAMBÉM: Xico Sá e equipe de curadoria da Flim abandonam festa literária alegando censura Prefeito manda cancelar participação de Lacombe em feira literária após críticas No vídeo, Lacombe contou um pouco sobre a própria história e trajetória, falando sobre sentir na pele as dificuldades e exclusão que uma pessoa LGBTQIAP+ enfrenta na sociedade e, por vezes, dentro da própria família, justificando a fala que fez sobre famílias tradicionais brasileiras e destacando que o que disse na entrevista foi tirado de contexto na internet. “Eu sou uma mulher lésbica, eu fui uma adolescente, uma criança que cresceu numa família muito tradicional, mas me entendi como uma criança LGBT+ muito cedo. E eu sei o que essa sociedade faz com crianças, com jovens, que não se encaixam dentro dessa ideia da família tradicional brasileira, que é uma família hierárquica, uma família que concentra relações de poder muito bem definidas, papéis de gêneros muito definidos e que exclui tanta gente, que exclui tantos espíritos, tantos corpos, tantas almas, tanta criatividade de dentro dela”, narrou. Entenda a polêmica “Eu me especializei em questões de gênero, e todo esse debate que envolve a família tradicional brasileira carrega a questão do gênero, o papel da mulher dentro do lar. E aí eu fui tirada de contexto, teve um corte que fizeram de um vídeo em que eu estava falando justamente isso, a respeito da importância das crianças LGBT+ serem acolhidas, da ideia da gente construir um mundo que entenda a família como esse núcleo de respeito pelo dissidente, de respeito pela opinião contrária, um núcleo que não seja produtor exclusivamente de heterossexualidade. E tiraram de contexto, e a coisa virou uma maluquice que caiu dentro das bolhas da extrema-direita”, disse. Ainda na publicação, Lacombe disse que a repercussão da fala tomou grandes proporções, ao ponto de ser impedida de participar da Flim para a própria segurança. “Então a coisa degringolou, eu ia para uma feira literária em São José dos Campos, eu amo feiras literárias, eu acho que os debates que acontecem lá são sempre muito bonitos e não posso ir, porque existe um risco real imediato à minha segurança”, disse. “Então é uma pena, uma pena que a gente esteja vivendo esse tipo de autoritarismo, essa falta de capacidade da gente entender que a disputa da ideia de família, desse conceito de família, ele é central para a construção de uma sociedade menos violenta. Então, eu luto por um mundo em que a gente entenda a família como um núcleo de amor, respeito e afeto por todos”, completou. ‘Não poder participar de uma feira literária é uma derrota para todos que lutam por um mundo da livre expressão', diz Milly Lacombe Reprodução Por meio de nota, a AFAC, associação responsável pela feira, informou que “ao longo de 10 edições, a FLIM se consolidou como o maior evento literomusical do Vale do Paraíba e um dos principais do interior paulista” e que “além de promover a arte e a cultura, o evento reforça seu papel como agente da economia criativa, gerando impacto positivo no comércio local e atraindo milhares de visitantes”. Ainda segundo a AFAC, a associação confirma o cancelamento da presença da Milly Lacombe no evento. Eles alegaram que a decisão foi “tomada em comum acordo com a convidada, objetivando preservar a integridade de todos os envolvidos” e que “a associação não compactua com manifestações que não estejam ligadas à atividade fim do evento, que é a promoção da cultura, da música e da literatura”. A Prefeitura de São José dos Campos não quis se manifestar. Ao g1, o podcast “Louva a Deusa” disse que "vê com preocupação o uso recortado e manipulado da opinião da escritora e jornalista Milly Lacombe em episódio do podcast, que resultou no cancelamento de sua participação na Festa Lítero Musical (FLIM) de São José dos Campos". Segundo o canal Louva a Deusa, "há discrepância evidente entre o que foi dito originalmente pela convidada e os recortes posteriores usados para promover censura, desqualificação pública e silenciamento". "O podcast reforça seu apoio irrestrito ao que a convidada de fato promoveu em nosso episódio: reflexão e questionamento lúcidos sobre o uso de valores familiares para promover exclusão e preconceito a corpos dissidentes e outros agrupamentos familiares absolutamente legítimos. Seguiremos sendo espaço seguro para promoção de conversas plurais, confiando em nossa vocação de desafiar o senso comum", finalizou o podcast na nota.